Da Europa do carvão e do aço ao Pacto Ecológico Europeu

Fotografia de Paulo Trigo Pereira

Paulo Trigo Pereira
Professor Catedrático do ISEG/Universidade de Lisboa

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Faz agora setenta anos que Robert Schumann, na sua declaração no Quai d’Orsay em Paris apresentava o seu plano para unificar as indústrias do carvão e do aço, da França e da Alemanha, as potências inimigas da II Guerra, que selariam em breve uma forte aliança económica.

Não deixa de ser curioso que hoje, no Pacto Ecológico Europeu, apresentado por Ursula von der Leyen, se queira reconverter e eliminar o mais rapidamente possível essa fonte de energia altamente poluente, mas que foi determinante para o crescimento económico do pós guerra.

Os aniversários são sempre bons para se olhar para trás e para perspetivar o futuro. O continente europeu é, desde há 75 anos e com raras excepções localizadas, um espaço de paz e relativa prosperidade o que não é um feito de somenos. A União Europeia congrega hoje um conjunto de países que partilham os valores de um estado democrático e social de direito, apenas ameaçado na Hungria e na Polónia.

Estas e muitas outras realizações não devem fazer esquecer que para as novas gerações o que é relevante é como a UE enfrenta os desafios do presente e futuro e não as conquistas do passado. De entre os desafios destaco os seguintes. A UE tem ainda um problema de identidade. Não consegue ter uma política externa comum e posicionar-se como um bloco nas relações transatlânticas, e com a Rússia e a China. A UE baseia-se na diplomacia e na soft law e ainda não conseguiu dedicar os recursos necessários à defesa para que possa ser um ator relevante à escala regional. A UE tem dificuldades com os irmãos desavindos. Existem divisões entre grupos de países da UE: Norte, versus Sul, Este versus Oeste, que necessitam ser ultrapassadas, e que emergem cada vez que existe uma crise como agora com o COVID-19. A UE avança lentamente na construção de um mercado único, de que é exemplo a incapacidade de avançar com uma base tributária comum para as empresas. A UE não tem capacidade orçamental para assumir políticas europeias ambiciosas, e para servir de mecanismo de estabilização macroeconómica face a choques assimétricos ou simétricos como o actual.  A UE tem sido parca em medidas que promovem a solidariedade entre os povos europeus, visto que envolvem frequentemente transferências entre países, como é o caso do esquema de seguro de desemprego europeu, complemento dos nacionais. A UE ainda não completou a União Bancária, nomeadamente com o sistema de proteção de depósitos, que cubra os riscos para a banca nacional dos países mais afectados por crises. A UE tem um problema demográfico, de envelhecimento da população, que parcialmente pode ser compensado com imigração, mas esta medida está condicionada pelo aumento do populismo que lhe vem associado. A UE tem burocracia a mais, de que é exemplo as inúmeras regras, algumas desnecessárias, e não coerentes, do Pacto Estabilidade e Crescimento. Este excesso de burocracia, que em parte explica a saída do Reino Unido, arrisca alienar grande parte do apoio dos cidadãos europeus ao projeto europeu.

É necessário dar resposta a todos estes desafios, pois a UE é um extraordinário projeto que não pode fracassar. É o espaço económico e social no mundo que é uma referência no respeito pelos direitos humanos. Será um exemplo mundial a seguir nas políticas ambientais. Mas para que isso aconteça é necessário implementar, paulatinamente, o que Schumann disse há 70 anos: “A Europa não se fará de uma assentada, nem numa construção conjunta. Ela far-se-á de realizações concretas, criando antes de mais uma solidariedade de facto.”


Texto recebido a 8 de maio de 2020


CURRICULUM VITAE de Paulo Trigo Cortez Pereira
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