Próxima Geração UE / Next Generation EU - Construção jurídica

Fonte: Comissão Europeia | 9 junho 2020

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A arquitetura proposta para este financiamento excecional assenta em três pilares:

  • A Decisão sobre os Recursos Próprios autoriza o montante total dos fundos obtidos, a utilizar para as despesas excecionais e para os empréstimos concedidos aos Estados-Membros. Esses montantes não estão inscritos no orçamento da União Europeia (UE). A Decisão organiza igualmente o reembolso dos montantes utilizados para as despesas no âmbito do futuro Quadro Financeiro Plurianual (QFP). O reembolso será inscrito no orçamento da UE no ano em que se realizar (a partir de 2028, até 2058).
  • O Instrumento de Recuperação baseado no artigo 122.º do Tratado de Funcionamento da UE (TFUE) identifica medidas de recuperação e afeta, para esse efeito, os fundos obtidos a vários programas da UE.
  • Os programas da UE recebem os recursos e definem as regras para a sua aplicação.

1)   Nas circunstâncias atuais, a obtenção de financiamento constitui um meio justificado para atingir os objetivos da UE:

  • A União está autorizada a dotar-se dos meios necessários para atingir os seus objetivos (artigo 311.º, primeiro parágrafo, do TFUE). Uma economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego, a promoção da coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros é um dos objetivos da União (artigo 3.º, n.º 3, do TUE).
  • Os meios financeiros da União provêm predominantemente, mas não exclusivamente, dos recursos próprios (artigo 311.º, segundo parágrafo, do TFUE). Por conseguinte, a União dispõe de uma certa margem quanto à escolha dos meios necessários, desde que respeite as regras financeiras estabelecidas no Tratado.
  • A obtenção de fundos constitui um desses meios e, nas circunstâncias atuais, é necessária. Para fazer face às consequências excecionais da crise, são necessários vastos recursos durante um curto período de tempo, sem aumentar a dívida nacional a curto e a médio prazo.
  • A obtenção de fundos resulta num passivo financeiro para a União. No entanto, as operações financeiras que implicam um passivo da União não são extraordinárias. Os Tratados não proíbem a União de assumir passivos. A União já assume passivos, por exemplo decorrentes de empréstimos para assistência financeira aos Estados-Membros e a países terceiros ou de garantias orçamentais, incluindo para operações de mercado (por exemplo, o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos). A obtenção de fundos para fazer face a despesas decorrentes de crises será simplesmente um novo tipo de operação implicando passivos.

2)   A obtenção de fundos deve respeitar o princípio da disciplina orçamental. Por conseguinte, é necessário adotar disposições na Decisão sobre os Recursos Próprios:

  • De acordo com o princípio da disciplina orçamental (artigo 310.º, n.º 4, do TFUE), as ações da União podem ser financiadas dentro dos limites do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) e dos recursos próprios. O Tratado também obriga as instituições da União a assegurar que a União possa cumprir as suas obrigações financeiras para com terceiros (artigo 323.º do TFUE).
  • Por conseguinte, a responsabilidade pela obtenção de fundos só é admissível se a União estiver em condições de reembolsar a dívida, incluindo os juros. Para tal, é necessário que o limite máximo dos recursos próprios seja suficientemente elevado para assegurar, todos os anos, margem financeira suficiente para a cobertura integral do passivo da União. É também necessário um mecanismo que garanta a disponibilidade de recursos em todas as circunstâncias.
  • A proposta de alteração da nova proposta de Decisão sobre os Recursos Próprios garante que estes requisitos prévios da disciplina orçamental são cumpridos:

o   Um aumento específico e temporário dos limites máximos dos recursos próprios criará margem de manobra orçamental suficiente, que estará disponível: i) para os passivos contingentes resultantes de empréstimos concedidos aos Estados-Membros e ii) para o reembolso da dívida contraída para financiar programas de despesas no futuro (2028-2058);

o   Uma regra adicional permitirá à União mobilizar recursos provenientes dos Estados-Membros no caso de, num determinado ano, as dotações autorizadas inscritas no orçamento não serem suficientes para a União cumprir as suas obrigações decorrentes da obtenção de fundos.

  • A Decisão sobre os Recursos Próprios irá ainda mais longe. Determinará o montante máximo dos fundos que podem ser obtidos e fixará os parâmetros para o seu reembolso, nomeadamente as datas de início (2028) e de termo (2058) do reembolso. Tal pode ser feito ao abrigo da Decisão sobre os Recursos Próprios pelos seguintes motivos:

o   Estas disposições são um corolário do aumento específico do limite máximo dos recursos próprios. A dimensão e as modalidades de reembolso delimitam os montantes máximos das receitas provenientes de recursos próprios futuras, que serão necessárias para esse efeito. Podem, portanto, ser consideradas parte integrante da criação do sistema de recursos próprios (artigo 311.º, terceiro parágrafo, do TFUE).

o   Ao definir os montantes das receitas necessárias na Decisão sobre os Recursos Próprios, é normal que o legislador tenha em conta as despesas conexas. Por exemplo, a correção a favor do Reino Unido foi calculada em função do total das despesas afetadas a favor do Reino Unido.

o   Além disso, a Decisão sobre os Recursos Próprios é de natureza quase constitucional. Só entra em vigor após aprovação por todos os Estados-Membros, em conformidade com os respetivos requisitos constitucionais nacionais. A autorização da obtenção de fundos necessitará da aprovação de todos os Estados-Membros e, em função dos procedimentos nacionais, dos seus parlamentos nacionais. Tal proporciona a legitimidade democrática indispensável a essa proposta inovadora necessária para alcançar os objetivos da União.

o   Ao mesmo tempo, a aprovação por todos os Estados-Membros constituirá um compromisso claro no sentido de assumir a responsabilidade pela obtenção dos fundos.

3)   Afetação dos fundos aos programas de despesas da União, artigo 122.º do TFUE:

O artigo 122.º do TFUE permite, em situações de crise excecionais, derrogações específicas às regras normalmente aplicadas. Assim, o Instrumento de Recuperação prevê o financiamento, fazendo referência à autorização de obter fundos da Decisão sobre os Recursos Próprios, e afetará esses fundos aos vários programas de despesas, enquanto «receitas afetadas externas», para fins de recuperação e resiliência (artigo 21.º, n.º 5, do Regulamento Financeiro).

Os fundos obtidos continuarão a ser adicionais ao orçamento anual e não farão parte do QFP nem do processo orçamental anual.

Esta forma de proceder relativamente a grandes montantes diverge da prática corrente para o estabelecimento do orçamento e do financiamento da União (ponto 1, obrigação de financiar as políticas da União principalmente através de recursos próprios), justificando-se como solução temporária e excecional no contexto da crise atual.

O princípio do equilíbrio orçamental (artigo 310.º, n.º 1, segundo parágrafo, do TFUE) exige o equilíbrio entre receitas e despesas no orçamento anual. Os fundos obtidos são montantes excecionais e únicos, que vêm juntar-se ao orçamento anual enquanto «receitas afetadas externas» (para a parte relativa às despesas), não fazendo parte das receitas nem das despesas no âmbito do orçamento anual.

A obtenção de fundos não significa que a União realize despesas deficitárias de forma comparável a um Estado-Membro. O défice orçamental nos orçamentos dos Estados-Membros depende dos rendimentos futuros provenientes das receitas (impostos), que o Estado-Membro pode impor enquanto país soberano.

A União não tem essa possibilidade: tem de recorrer aos recursos próprios anteriormente autorizados na Decisão sobre os Recursos Próprios e só pode atuar dentro desses limites, em conformidade com o princípio da disciplina orçamental. A operação de obtenção de fundos respeitará esses condicionalismos, uma vez que a Decisão sobre os Recursos Próprios garantirá já os meios financeiros necessários para o reembolso. No essencial, os Estados-Membros acordam em colocar recursos financeiros à disposição da União, mas, dado que a sua margem de manobra orçamental imediatamente disponível é limitada, «diferem» ou «adiam» a disponibilização. A margem orçamental assim criada permitirá à União participar em operações de obtenção de fundos extraordinárias e pontuais, permitindo a adoção imediata das medidas de recuperação.

  • O Instrumento de Recuperação baseia-se no artigo 122.º do TFUE, que permite a adoção de medidas extraordinárias em situações de crise como expressão de solidariedade entre os Estados-Membros.
  • O recurso a essa base jurídica é necessário para derrogar às regras normais dos Tratados, que não permitiriam o financiamento de montantes tão elevados para além do orçamento da União e fora do processo orçamental anual. Tal só se justifica nas circunstâncias da crise atual.
  • A obtenção e utilização dos fundos ocorre em três etapas:

o   Habilitação para obter fundos, incluindo a determinação do montante máximo;

o   Receção dos fundos obtidos e sua afetação a determinadas rubricas de despesas;

o   Reembolso futuro dos fundos obtidos, incluindo a determinação da data de termo.

  • A Decisão sobre os Recursos Próprios estabelece a base jurídica para a primeira e a terceira etapas, ao passo que o Instrumento de Recuperação constitui a base jurídica da segunda etapa, em conformidade com o artigo 21.º, n.º 5, do Regulamento Financeiro.
  • Esta arquitetura é o resultado de uma escolha política, no respeito das restrições jurídicas.
  • É juridicamente possível determinar o montante máximo do passivo na Decisão sobre os Recursos Próprios. O artigo 311.º, terceiro parágrafo, do TFUE tem duas funções, que estão estreitamente interligadas: determina as receitas atribuídas à União e contém o compromisso dos Estados-Membros de disponibilizar essas receitas. A determinação do montante global dos fundos que poderão ser obtidos e das modalidades de reembolso proporciona segurança jurídica no que diz respeito às receitas de que a União necessitará no futuro e à obrigação de os Estados-Membros as disponibilizarem.
  • No entanto, os fundos obtidos não constituem recursos próprios, mas sim uma nova categoria de «outras receitas» (artigo 311.º, segundo parágrafo, do TFUE). Tais receitas vêm juntar-se ao orçamento da União e destinam-se a financiar rubricas de despesas específicas.
  • No que se refere à segunda etapa acima mencionada, o artigo 122.º do TFUE constitui a base jurídica adequada para a receção dos fundos obtidos e sua afetação a rubricas de despesas específicas. A escolha da base jurídica de um ato da União deve assentar em elementos objetivos e suscetíveis de controlo jurisdicional, entre os quais figuram, nomeadamente, a finalidade e o conteúdo do ato em questão. No caso em apreço, o conteúdo é a disponibilização de financiamento adicional em derrogação a certas regras; a finalidade é a recuperação e a resiliência da União no contexto de uma situação de crise sem precedentes.
  • Em conclusão, as três etapas acima mencionadas estão interligadas, mas, dadas as limitações políticas e jurídicas, podem ser regulamentadas por dois atos jurídicos distintos assentes em bases jurídicas diferentes.

O artigo 310.º, n.º 3, do TFUE dispõe que «a execução de despesas inscritas no orçamento requer a adoção prévia de um ato juridicamente vinculativo da União que confira fundamento jurídico à sua ação e à execução da despesa correspondente, em conformidade com o regulamento [Financeiro]».

A Decisão sobre os Recursos Próprios é um «ato juridicamente vinculativo da União», tal como definido no artigo 2.º, n.º 4, do Regulamento Financeiro. Desde que possa validamente autorizar a obtenção dos fundos e o seu reembolso (ver pergunta anterior), a consequência necessária é que constituirá um ato de base para as despesas intrinsecamente ligadas a essa operação, ou seja, as suas prestações.

Por conseguinte, este aspeto insere-se no «sistema de recursos próprios da União» (artigo 311.º, terceiro parágrafo, do TFUE).

Não:

  • Os montantes são um reforço adicional pontual das ações da UE, enquanto «outras receitas» expressamente previstas no artigo 311.º, segundo parágrafo, do TFUE. Os recursos próprios são receitas regulares da União.
  • Os montantes devem ser reembolsados pela União, enquanto os recursos próprios são uma receita final que não é reembolsada.

A obtenção de fundos pode ser autorizada com base no artigo 311.º, terceiro parágrafo, do TFUE. A determinação do montante máximo do passivo da União e as modalidades de reembolso estão intrinsecamente ligadas à determinação dos limites máximos dos recursos próprios adicionais.