1) Nas circunstâncias atuais, a obtenção de financiamento constitui um meio justificado para atingir os objetivos da UE:
- A União está autorizada a dotar-se dos meios necessários para atingir os seus objetivos (artigo 311.º, primeiro parágrafo, do TFUE). Uma economia social de mercado altamente competitiva que tenha como meta o pleno emprego, a promoção da coesão económica, social e territorial, e a solidariedade entre os Estados-Membros é um dos objetivos da União (artigo 3.º, n.º 3, do TUE).
- Os meios financeiros da União provêm predominantemente, mas não exclusivamente, dos recursos próprios (artigo 311.º, segundo parágrafo, do TFUE). Por conseguinte, a União dispõe de uma certa margem quanto à escolha dos meios necessários, desde que respeite as regras financeiras estabelecidas no Tratado.
- A obtenção de fundos constitui um desses meios e, nas circunstâncias atuais, é necessária. Para fazer face às consequências excecionais da crise, são necessários vastos recursos durante um curto período de tempo, sem aumentar a dívida nacional a curto e a médio prazo.
- A obtenção de fundos resulta num passivo financeiro para a União. No entanto, as operações financeiras que implicam um passivo da União não são extraordinárias. Os Tratados não proíbem a União de assumir passivos. A União já assume passivos, por exemplo decorrentes de empréstimos para assistência financeira aos Estados-Membros e a países terceiros ou de garantias orçamentais, incluindo para operações de mercado (por exemplo, o Fundo Europeu para Investimentos Estratégicos). A obtenção de fundos para fazer face a despesas decorrentes de crises será simplesmente um novo tipo de operação implicando passivos.
2) A obtenção de fundos deve respeitar o princípio da disciplina orçamental. Por conseguinte, é necessário adotar disposições na Decisão sobre os Recursos Próprios:
- De acordo com o princípio da disciplina orçamental (artigo 310.º, n.º 4, do TFUE), as ações da União podem ser financiadas dentro dos limites do Quadro Financeiro Plurianual (QFP) e dos recursos próprios. O Tratado também obriga as instituições da União a assegurar que a União possa cumprir as suas obrigações financeiras para com terceiros (artigo 323.º do TFUE).
- Por conseguinte, a responsabilidade pela obtenção de fundos só é admissível se a União estiver em condições de reembolsar a dívida, incluindo os juros. Para tal, é necessário que o limite máximo dos recursos próprios seja suficientemente elevado para assegurar, todos os anos, margem financeira suficiente para a cobertura integral do passivo da União. É também necessário um mecanismo que garanta a disponibilidade de recursos em todas as circunstâncias.
- A proposta de alteração da nova proposta de Decisão sobre os Recursos Próprios garante que estes requisitos prévios da disciplina orçamental são cumpridos:
o Um aumento específico e temporário dos limites máximos dos recursos próprios criará margem de manobra orçamental suficiente, que estará disponível: i) para os passivos contingentes resultantes de empréstimos concedidos aos Estados-Membros e ii) para o reembolso da dívida contraída para financiar programas de despesas no futuro (2028-2058);
o Uma regra adicional permitirá à União mobilizar recursos provenientes dos Estados-Membros no caso de, num determinado ano, as dotações autorizadas inscritas no orçamento não serem suficientes para a União cumprir as suas obrigações decorrentes da obtenção de fundos.
- A Decisão sobre os Recursos Próprios irá ainda mais longe. Determinará o montante máximo dos fundos que podem ser obtidos e fixará os parâmetros para o seu reembolso, nomeadamente as datas de início (2028) e de termo (2058) do reembolso. Tal pode ser feito ao abrigo da Decisão sobre os Recursos Próprios pelos seguintes motivos:
o Estas disposições são um corolário do aumento específico do limite máximo dos recursos próprios. A dimensão e as modalidades de reembolso delimitam os montantes máximos das receitas provenientes de recursos próprios futuras, que serão necessárias para esse efeito. Podem, portanto, ser consideradas parte integrante da criação do sistema de recursos próprios (artigo 311.º, terceiro parágrafo, do TFUE).
o Ao definir os montantes das receitas necessárias na Decisão sobre os Recursos Próprios, é normal que o legislador tenha em conta as despesas conexas. Por exemplo, a correção a favor do Reino Unido foi calculada em função do total das despesas afetadas a favor do Reino Unido.
o Além disso, a Decisão sobre os Recursos Próprios é de natureza quase constitucional. Só entra em vigor após aprovação por todos os Estados-Membros, em conformidade com os respetivos requisitos constitucionais nacionais. A autorização da obtenção de fundos necessitará da aprovação de todos os Estados-Membros e, em função dos procedimentos nacionais, dos seus parlamentos nacionais. Tal proporciona a legitimidade democrática indispensável a essa proposta inovadora necessária para alcançar os objetivos da União.
o Ao mesmo tempo, a aprovação por todos os Estados-Membros constituirá um compromisso claro no sentido de assumir a responsabilidade pela obtenção dos fundos.
3) Afetação dos fundos aos programas de despesas da União, artigo 122.º do TFUE:
O artigo 122.º do TFUE permite, em situações de crise excecionais, derrogações específicas às regras normalmente aplicadas. Assim, o Instrumento de Recuperação prevê o financiamento, fazendo referência à autorização de obter fundos da Decisão sobre os Recursos Próprios, e afetará esses fundos aos vários programas de despesas, enquanto «receitas afetadas externas», para fins de recuperação e resiliência (artigo 21.º, n.º 5, do Regulamento Financeiro).
Os fundos obtidos continuarão a ser adicionais ao orçamento anual e não farão parte do QFP nem do processo orçamental anual.
Esta forma de proceder relativamente a grandes montantes diverge da prática corrente para o estabelecimento do orçamento e do financiamento da União (ponto 1, obrigação de financiar as políticas da União principalmente através de recursos próprios), justificando-se como solução temporária e excecional no contexto da crise atual.